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28 de out. de 2014

A gente sempre ganha




Perder não é fácil. Perder um jogo, perder uma aposta, perder uma eleição, perder um amor, perder um ente querido. A percepção que, sobressalente à perda, fica a conquista, só acontece com o tempo. Se ganha o que ficou, se ganha a lembrança, se ganha a experiência. Mas para enxergar isso, é preciso estrada. A quilometragem suficiente para ver as coisas com certo distanciamento. E isso, com muito esforço, só a vivência nos traz. Só a maturidade sossega o coração. Se para um adulto é difícil conviver com o luto, imagina só como isso se processa na cabeça de uma criança de três anos? A vida pra ela é o que ela pode ver, o que ela pode tocar, o que ela pode viver. Imagina pensar no nunca mais? Dá curto-circuito. É preciso ter cuidado.

Penso que a nossa sociedade ocidental não está preparada para lidar com a morte. Penso que essa conscientização deveria fazer parte da nossa educação. Se a morte é a única certeza que temos, por que então não tratá-la como algo natural? Por que sempre envolvê-la num profundo sentimento de dor? Por que não trabalhar esse sentimento desde a infância para que a criança possa seguir com o coração melhor preparado para aceitar o inevitável que é conviver com a morte?

Segundo Freud, em sua obra Nós e a Morte, "nós criaturas civilizadas tendemos a ignorar a morte como parte da vida… no fundo ninguém acredita na própria morte, nem consegue imaginá-la. Uma convenção inexplícita faz tratar com reservas a morte do próximo. Enfatizamos sempre o acaso: acidente, infecção, etc., num esforço de subtrair o caráter necessário da morte. Essa desatenção empobrece a vida…".

Há algum tempo venho pensado nisso. Em como ajudar os meus filhos a enxergar a morte de forma mais natural. Entretanto, hoje quem ficou surpresa fui eu. Liguei para a minha casa e recebi a seguinte notícia do meu filho: "mamãe, Léo (cachorro) está doente e vai morrer". Tomei um susto. Primeiro, porque não estava preparada para ouvir o meu filho falando de morte de forma tão direta; segundo, porque era eu quem deveria dar essa notícia pra ele, não o inverso. Desviei a minha rota. Faltei o curso de inglês e fui pra casa. Preocupada com a cabecinha dele. Preocupada com a objetividade da declaração. Preocupada com o acesso dele ao mudo finito. Preocupada com a tristeza que isso poderia lhe causar. Decidi que conversaria com ele, que desmentiria a história e a recontaria gradativamente até ele estar preparado para ouvir a verdade. Depois vi que quem não estava preparada era eu.

A gente se engana quando acha que nossos filhos nunca ouviram falar em morte. Ela está nos livros infantis, nos filmes, nos desenhos, nas notícias da TV, nas conversas das pessoas na rua. Também está naquele pernilongo que ela vê morto, nas flores que murcham no vaso. As crianças encaram a morte de forma mais natural, os adultos que a complicam. A diferença é que cada idade tem a sua própria percepção da morte. As crianças de até três anos não conseguem perceber claramente que a morte é definitiva e irreversível, mas entendem que esta perda ocasionará a ausência da brincadeira com aquele ente que morreu. Aos cinco anos, as crianças já começam a entender a irreversibilidade. Aos sete, a crianças já têm vínculos sociais melhor estabelecidos e sentem mais a perda. Aos dez anos, as crianças conseguem administrar melhor esse sentimento, mas somente aos doze anos, todo o processo de morte é entendido pela criança.

Especialistas dizem para não escondermos nada, que não podemos poupar os pequenos. Desculpe o desserviço, mas eu discordo.  Acho que a informação deve ser dita à medida que a criança for tendo maturidade em absorver, mas sempre com honestidade e sensibilidade. Não precisa falar tudo, muito menos de uma vez. É importante preparar a criança, mostrar o processo para que a informação vá chegando de forma natural e compreensível. Dê a explicação que você acha que o seu filho conseguirá alcançar. Seja simples e espere pelas dúvidas de seu filho. Temos o hábito de antecipar a angústia da criança pela nossa própria e, por vezes, damos informações além das que ela precisa e pediu. Dê tempo para ela compreender tudo.

Acho que um bom caminho é ir educando seu filho através de exemplos práticos do ciclo da natureza. Semeie uma plantinha e vá mostrando como ela nasce, cresce, adoece e morre. Aquele feijãozinho plantado no algodão pode ser um ótimo aliado. Cantigas, livros infantis e filmes que tratam do assunto também ajudam. É importante que, com exemplos simples, inseridos de forma natural no dia a dia, a criança comece a entender o tripé que dá sustentação à perda: a universalidade (tudo que é vivo um dia vai morrer); a irreversibilidade (quando morre, não há volta); e a não funcionabilidade (depois de morto, o ser não corre, não dorme, não pensa, não age).

Ensinar o outro a conviver com a morte é um aprendizado, pois nunca estamos preparados para entender o inexplicável. Precisamos apenas aceita-lo.  O tema é muito profundo, compreende diversos estágios, mas, como aqui não se trata de um artigo científico, fico restrita à minha percepção que, certamente, divido com outros pais. Lidar com a dor da perda é sempre difícil, seja qual for a crença ou cultura. Mas, dependendo de como a separação é encarada, o impacto pode ser amenizado. Cabe aos pais, oferecer o preparo necessário para que as crianças consigam colocar o sofrimento no nível da consciência e, assim, administrá-lo. O mais importante para todos aqueles que ficam nesse mundo é encontrar a própria fonte de força para superar esse momento de grande tristeza. Porque se ganha muito mais do que se perde. É uma questão de escolha, de como você vai encarar a morte. Para mim, parece injusto reduzir a vida à morte. Mais que isso, é um desperdício; pois o que vale é o que se passa nesse ínterim. Todas as experiências acumuladas, todo o amor recebido. Sejamos gratos. A gente sempre ganha.


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